Mecanismos internacionais de direitos humanos como forma de destacar discriminação interseccional de gênero, de deficiência e racial

Duração: 1 de agosto de 2021 – 31 de março de 2023

País: Brasil

Comunidades: Pessoas negras com deficiência, incluindo pessoas com deficiência de comunidades tradicionais, como quilombolas

Qual foi o objetivo deste projeto?

O objetivo geral deste projeto visou a proteção integral dos direitos das pessoas marginalizadas com deficiência que sofrem discriminação interseccional no Brasil. A intersecção entre racismo e capacitismo está sendo cada vez mais reconhecida dentro da sociedade brasileira e por meio da defesa de direitos de movimentos de justiça social a fim de alcançar uma sociedade anti-racista, anti-capacitista e inclusiva para todos. Assim, este projeto visou construir este movimento a fim de destacar especificamente o racismo sistêmico e interseccional experimentado por brasileiros Pretos e pardos com deficiência e neurodiversos e suas famílias em nível internacional e nacional.

Qual era o contexto?

Para muitas pessoas com identidades múltiplas ou interseccionais, os mecanismos existentes para lidar com a discriminação com base em uma única característica são inadequados porque, muitas vezes, a discriminação é complexa e se baseia em duas ou mais formas de discriminação, por exemplo, racismo, habilidade, sexismo ou discriminação por motivo de religião, sexualidade, idioma ou cultura. O termo ‘discriminação interseccional’, portanto, captura a complexidade da discriminação que acontece com base em mais de uma característica simultaneamente.

No Brasil, a discriminação interseccional é experimentada por muitas populações minoritárias localizadas na intersecção de várias características de identidade; particularmente ser Preto, indígena ou pardo, ser uma pessoa com deficiências, ser mulher ou ter uma identidade LGBTI pode impactar negativamente muitas áreas da vida, desde saúde e bem-estar até resultados educacionais e socioeconômicos. Além das barreiras físicas e administrativas persistentes que impedem as pessoas com deficiência de comunidades negras e outras comunidades marginalizadas exercer plenamente os seus direitos econômicos, sociais e culturais, a discriminação interseccional também está ligada a história de escravidão do país e as conceituações socioculturais da deficiência como infortúnio ou fraqueza.

Pesquisa baseada em dados censitários mostra que as pessoas negras são significativamente mais propensas a viver em áreas inacessíveis para cadeiras de rodas com sistemas de saneamento, iluminação e drenagem inadequados. Este segmento da população também evidencia taxas mais altas de violência e desemprego, acesso restrito à educação, saúde mais precária, menos oportunidades econômicas, bem como marginalização da participação social e política. Em resultado, as pessoas negras com deficiência estão mais frequentemente localizadas nas posições mais vulneráveis ​​e violentas da sociedade brasileira, sendo sobre-representadas em populações sem-teto e no sistema de justiça criminal.

Cada vez mais, a discriminação interseccional está sendo reconhecida pelos comitês dos órgãos de tratados da ONU, mais notavelmente a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências (CPCD). Embora isso indique progresso no reconhecimento de questões interseccionais enfrentadas por comunidades marginalizadas em nível internacional, particularmente aquelas de indígenas, pessoas negras, ainda há um longo caminho a percorrer para que as questões sejam reconhecidas e traduzidas em ação afirmativa em nível nacional e local.

Quais foram as nossas atividades?

  • Criamos uma rede de ativistas de justiça social, pesquisadores acadêmicos e organizações de defesa de direitos humanos para explorar como trabalhar juntos pode destacar questões de discriminação interseccional.
  • Organizamos visitas de intercâmbio de conhecimento entre os membros brasileiros e ingleses da equipa para reunir informações e facilitar advocacia.
  • Destacamos como a intersecção de identidades Pretos e com deficiências está ligada a resultados negativos de saúde durante emergências de saúde por meio da coleta de dados existentes de movimentos sociais, institutos de pesquisa e ONGs.
  • Elaboramos um relatório alternativo sobre o Brasil para revisão pelo comitê do CERD focalizando a interseção entre racismo e capacitismo.
  • Envolvemos-nos na defesa de direitos na revisão do Brasil pelo comitê CERD em Genebra 2022 e acompanhamos a defesa nacional após a publicação das observações finais do Comitê.
  • Co-produzimos materiais de defesa de direitos interseccionais que podem ser usados ​​por outras ONGs brasileiras ou movimentos sociais. O material de comunicação é ao alcance das pessoas com deficiência em formato acessível, como Libras, legenda, narração, linguagem simples.
  • Divulgamos as recomendações pertinentes dirigidas as partes interessadas para implementação no Brasil após a publicação das Observações Finais do comitê CERD
  • Exploramos oportunidades futuras de advocacy conjunta através de encontros com Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência (ORPD) e Organizações da Sociedade Civil (OSC) do Reino Unido.

Que conseguimos fazer?

A nossa campanha de advocacy bem-sucedida durante a revisão do Brasil pelo comitê CERD em Novembro 2022 resultou em 11 recomendações feitas com base nos dados que apresentamos no relatório alternativo sobre a vida das pessoas negras com deficiência no Brasil. O relatório foi realizado e publicado por uma rede de ativistas da justiça social, pesquisadores e organizações de direitos humanos criada especificamene para investigar a interseção entre racismo e capacitismo e os seus resultados negativos nas areas de saúde, educação, justiça e trabalho.

Um novo posto de trabalho destinado ao coordinador de interseccionalidade foi criado dentro da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNDPD) integrada na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República do Brasil, como resultado da defesa nacional acompanhada após a publicação das observações finais do Comitê para assegurar a implementação das recomendações.

Juntos com os parceiros do projeto publicamos e lançamos o relatorio ‘A Situação das Pessoas Negras com Deficiência no Brasil’ includindo um sumário ilustrado de leitura fácil.

Em março 2023, apoiamos a nossa parceira Vidas Negras Com Deficiência Importam (VNDI) apresentar o nosso relatorio conjunto aos candidatos políticos progressistas, ministros, senadores e deputados federais que apoiam a agenda em matéria de deficiência e contra o racismo na capital. Este esforço garantiu uma audiência pública no Senado Federal no dia 18 de setembro de 2023 para debater a temática ‘Vidas Negras Com Deficiência Importam’.

Com o apoio do MRG, a VNDI conseguiu continuar a desenvolver o trabalho deste projeto e expandir os seus esforços de advocacy a nível nacional e internacional. Em julho 2023, a VNDI participou na segunda sessão do Fórum Permanente sobre Afrodescendentes em Nova York.

Quem foram os nossos parceiros?

  • Vidas Negras Com Deficiência Importam (VNDI), movimento social brasileiro criado por pessoas negras, pessoas com deficiência e principalmente por pessoas negras com deficiência na busca por uma sociedade antirracista e anti-capacitista.
  • Universidade de York, instituição de ensino superior inglesa de pesquisa intensiva que trabalha em parceria com instituições de todo o mundo no desenvolvimento de novas descobertas e tecnologias para fazer face a alguns dos desafios mundiais mais prementes.
  • Fundação Oswaldo Cruz, instituição brasileira de ciência e tecnologia em saúde que está a promover a saúde e o desenvolvimento social, e gerar e difundir conhecimento científico e tecnológico.
  • O Movimento Internacional Contra Todas as Formas de Discriminação e Racismo (IMADR), organização internacional de direitos humanos sem fins lucrativos e não governamental destinada a eliminar a discriminação e o racismo, forjar a solidariedade internacional entre as minorias discriminadas e promover o sistema internacional de direitos humanos.

Quem financiou este projeto?

O projeto foi apoiado por uma bolsa ESRC Impact Accelerator atribuída pela Universidade de York e pela Agência Sueca de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (SIDA).

Integrantes do Vidas Negras com Deficiência posam com funcionária do MRG e o gerente do Instituto Tam Tam, em frente a uma parede repleta de fotos e obras de arte. Cortesia da Lauren Avery/MRG.